Muyendze – um pretexto para amar e honrar uma dívida eterna
Esse é o título do álbum de estreia de Nandov Matsinhe: Muyendze, lançado há algumas semanas no formato digital. O álbum é constituído por 12 músicas, e conta com várias participações. Por exemplo, Hélder Gonzaga, Thapelo, Lívio Mondlane, Tony Paco, Samito Tembe e Kloro. Mais do que falar de amor, no disco, o cantor quis retratar as relações familiares. Nesta entrevista, Nandov refere-se à música, essencialmente, como um pretexto para amar, compreender e honrar uma bênção divina.
Muyendzeé o título do disco que lhe apresenta num trabalho a solo. Que álbum é este?
Na verdade, é uma colectânea de temas que fazem parte da minha vida e das pessoas que integram o meu círculo de convivência. Considero Muyendze uma obra na qual conto as nossas histórias.
E uma dessas histórias do álbum tem mesmo a ver com esse movimento Moçambique-África do Sul, que iniciou há vários anos. Assume a maldade imposta ao casal que se separa, quando o homem vai à procura de melhores condições de vida?
Esta é uma história verídica. O que mais me interessou levar à música foi a parte cómica, sem menosprezar e sem ridicularizar as mulheres. Quis que as pessoas percebessem que, muitas vezes, quando partimos, não criamos condições para aqueles que ficam, daí enfrentarem dificuldades e tentações da vida.
Entende que as relações se baseiam muito nessa sintonia entre o cuidado e o conforto, se pensarmos que na música que intitula o álbum, “Muyendze”, a grande tentação da personagem feminina advém daí?
Cada caso é um caso. Penso que o nosso povo, em geral, é tido como aquele que tem poucas posses, e em que o provedor da família é o homem. A questão é: quando o homem parte, e muitas vezes fracassa, como é que ficam os seus? Nessa história, em particular, temos um homem que volta depois de muito tempo. Mas, enquanto ele esteve ausente, alguém ficou a cuidar da sua família. A vida é assim. Se nós não cuidamos, sempre existirá alguém para cuidar.
Quis levar ao álbum uma chamada de atenção para os homens?
Sim. E repara que a música “Muyendze” é muito contestada. Por isso, no vídeo-clip, tentamos não ridicularizar a mulher. Optamos por explorar as dificuldades dela. Esta história coloca-nos numa situação de nós pensarmos nas nossas acções em determinadas circunstâncias.
Tinha que ser assim?
Sim, tinha que ser assim…
E “Tinha que ser assim” é o título de uma outra música do álbum que retrata o amor. Por que o amor é-lhe especial?
É-me especial não só do ponto de vista homem e mulher, mas também do ponto de vista familiar. Sou fascinado pelas histórias que falam da família. Sou das pessoas que defende que o primeiro mundo que nos molda é o da família, a base da criação de qualquer indivíduo. Escrevo muito sobre isso. A música “Tinha que ser assim”, por exemplo, é a minha história. Na altura que escrevi, estava a separar-me da mãe do meu primogénito. O que digo na música é que, muitas vezes, o orgulho nos cega e nos faz cometer erros. Nessa música questiono por que as relações devem terminar; por que as famílias têm de se destruir; e procuro aconselhar aos homens para que assumam os seus arrependimentos.
Considerando o que disse até aqui, é um artista cujo poder criativo está centrado nos seus próprios eus?
Em parte, podemos dizer que sim. Mas o que eu mais gosto é de contar histórias, inspiradas na realidade que me rodeia. E acho que é bem mais fácil escrever histórias sobre os eventos à nossa volta. Seja como for, não me restrinjo apenas a mim.
As suas narrativas são ferramentas para tentar compreender a sua existência no mundo ou a sua relação com os outros?
Principalmente, são ferramentas para tentar compreender a minha convivência com os outros, até porque na minha transição da juventude eu recebia muitas críticas, por ser um ser muito fechado e pragmático. Aprendi a abrir-me para o mundo e a perceber as pessoas. Agora estudo muito as pessoas e penso que é fascinante quando percebemos o outro. Às vezes, somos formatamos para sermos percebidos do que para perceber.
Um dos seus fascínios são os efeitos da partida. Nas músicas do álbum existe uma mãe e um pai que partem e não regressam. Estou a pensar em “Nheleti”, por exemplo. Por quê?
E isso também acontece numa outra música, “Mame wango”. Na verdade, o que difere é que, em “Mame wango”, eu dispenso-me da minha mãe, numa alusão à minha primeira viagem internacional, que fiz em 2010. Aquela partida, foi a primeira separação entre mim e minha mãe. Por isso via-a angustiada. Já a história “Nheleti” surge de uma conversa que tive com um menino chamado Yuran, na altura com 3 anos de idade. Um dia desses, vi a criança a brincar. Julgando-a perdida, aproximei-me e perguntei-a onde estava a mãe. Yuran disse-me que a mãe era uma estrela. Depois percebi que o menino encontrava-se com o pai. A ele perguntei por que o filho disse-me que a mãe era uma das estrelas do céu. O senhor respondeu-me que o Yuran perdeu a mãe no parto. Parti daquela conversa intrigado. Quando cheguei a casa, comecei a compor a música.
“Mame wango” complementa “Nheleti” ou é ao contrário?
As músicas foram compostas em momentos diferentes. Quando o pai do Yuran contou-me aquela história, nela eu observei a estrutura familiar e no que provavelmente o menino dizia aos seus colegas da escolinha, quando tivesse que falar da mãe.
É o seu lado gospel que lhe faz ser sensível a essa estrutura familiar?
Eu considero-me um cantor gospel. Penso que os projectos do gospel que tenho são mecanismos que encontrei para pagar a dívida que tenho com Deus, por me ter concedido o dom da existência e daquilo que sou. Ele colocou-me no mundo, talvez, para trazer este tipo de abordagem, se calhar, para entendermos que devemos dar mais valor à vida.
Sempre com Robert Gray?
Sempre. Eu não pretendo seguir uma carreia gospel a solo. Para mim, gospel é com o projecto Coral Robert Gray. A solo sou um músico do mundo, com histórias que mudam a vida das pessoas.
A propósito dessa dívida de gratidão, espera algum dia pagar a Deus?
Essa dívida é eterna, e, com o gospel, a nossa causa é mostrar que somos capazes de sermos nós mesmos a cantar, da nossa forma, as nossas coisas, para o nosso povo e pensar em mudar a forma de pensar do nosso povo. Este movimento não vai terminar com Robert Gray. É um processo, cujo sucesso depende de os músicos do gospel pararem de puxar a sardinha à sua brasa e pensar nisto como um movimento em que todos somos meros participantes de uma coisa que é muito grande.
Não estamos unidos no sector gospel?
Penso que estamos a caminho disso. Isso também é um processo, e o processo de construção das pessoas é semelhante ao processo de construção das causas. A causa não é sermos aplaudidos. O que tem de acontecer é: a música gospel, em Moçambique, deve ser como a sul-africana ou norte-americana. Não chegamos a isso porque os fazedores dos gospel não estão coesos naquilo que são os objectivos do género musical. Gospel não é uma questão de alguém fazer uma música mais bonita do que outro. É uma forca que nos une.
Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?
Sugiro o álbum Txukela, de Tchakaze; Send me, de Alfa Thulana; e In the groove, de Jimmy Dludlu.
PERFIL
Nandov Matsinhe nasceu na cidade de Maputo, há 32 anos. Nos finais de 2009, criou a Banda Nandov, e, no ano seguinte, venceu o concurso de bandas Cross Roads. Em 2010/ 2011, gravou o seu primeiro tema, “Nghola msikate”, com o qual ganhou o prémio revelação do Ngoma Moçambique. Nessa mesma altura, foi seleccionado para participar como vocalista do Festival Umoja Moçambique. É fundador do Coral Robert Gray, com o qual venceu uma edição do programa FestCoros da Stv. Nandov também é vencedor do concurso “Hino dos Jogos da Bienal da CPLP”.
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